Caito, o cara e a cara da Chilli

Darcio Oliveira
8 min readJun 12, 2018

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Quem é o músico que chacoalhou o mercado de óculos no Brasil

Darcio Oliveira

(Publicado originalmente na Revista VIP: https://vip.abril.com.br)

Caíto Maia, fotografado por Marcus Steinmeyer (Revista Vip)

Todo ano, sempre em outubro, Caito Maia, o dono da Chilli Beans, faz uma caminhada de dez horas entre Taubaté e Aparecida do Norte, no interior de São Paulo. Vai ter com a Santa, no dia da padroeira, pois aprendeu desde cedo que gratidão não se economiza e proteção não se enjeita. “Não sou um cara religioso, não. Mas creio, sim, numa energia maior, na proteção universal. E a santinha aqui, ó, é minha energia, sempre me ajudou”, diz, apontando para uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na estante atrás de sua mesa de trabalho. Convém não duvidar da fé universal do empresário. Há 15 anos, Caito Maia era, como ele mesmo diz, um muambeiro que trazia óculos escuros dos Estados Unidos, metia-os no porta-malas de uma surrada Parati e saía por aí vendendo a mercadoria para os amigos e os amigos dos amigos. Pouco depois arriscou a sorte como fornecedor de redes multimarcas, tomou dois calotes inesquecíveis e acabou na lona. Hoje, é o dono da marca líder de óculos no mercado nacional, com uma rede com 804 lojas franqueadas em nove países e faturamento de R$ 700 milhões. Em breve, se tudo der certo — e se a Santa ajudar — ele chegará ao primeiro bilhão, com mil e duzentas lojas Chilli Beans. Pelo menos é esse é o planejamento para os próximos cinco anos.

A santinha que ele exibe feliz divide a estante com uma foto do David Bowie, caveiras mexicanas, um amplificador Marshall, a réplica do capacete usado na capa de um Cd do Daft Punk, uma plaquinha onde se lê “insane motherfucker”, um Buda dourado e um São Judas Tadeu, o das causas impossíveis, em gesso. “Esse foi presente da mãe de uma franqueada. Guardo com carinho, porque mãe é algo sagrado, sobretudo a mãe de um franqueado”. Completam o escritório um sofá com almofadas douradas em formato de luvas de boxe, duas cadeiras que lembram um cockpit, um abajur que sai de uma metralhadora de plástico, também dourada, um cachorro cor-de-rosa de porcelana em tamanho natural e, na parede oposta à sua mesa, uma máscara gigante do escultor Collin Christian. É, enfim, um templo pop-sacro-brega-chique-musical. É Caito Maia, sem tirar nem pôr. “Adoro esse universo, mano. Ele resume os três pilares da Chilli Beans, que são música, arte e moda. É essa mistura que faz o sucesso da marca”.

Uma mistura que resulta num marketing bem sucedido para a rede, diga-se. Se falta a Caito uma formação “business” — ele é músico por Berklee — sobra-lhe a intuição e a capacidade de criar em torno da marca Chilli Beans uma aura cool, moderninha, atenta às tendências, não apenas da moda, mas da música, do cinema, do universo pop. Efemérides de Michael Jackson, do Cazuza ou um novo filme do Tarantino provavelmente vão parar nas hastes dos óculos, assim como a Winchester 22 de Faroeste Caboclo ou um design inspirado na guitarra de George Harrison, sempre numa troca semanal de coleções. Mas o que sai das pranchetas conta só uma parte da história. A grande sacada de Caito talvez seja o diálogo permanente com o público.

No dia dessa entrevista, esparramado no sofá de sua sala ( e depois de reclamar de uma leve ressaca), ele contou que na noite anterior havia reunido em sua casa 150 convidados, a maioria “digital influencers”, aquela garotada com alto poder de persuasão nas redes sociais. “São meninos e meninas que, juntos, atingem 60, 70 milhões de pessoas. É um formidável tiro de canhão, mais barato e mais eficiente do que a propaganda tradicional na TV”, diz Caito. Essa turma faz parte do que ele chama de Chilli Squad, o pelotão de 300 embaixadores da marca encarregados de manter a aura da Chilli brilhando. E a pimenta na cabeça dos consumidores.

Caito no palco: show para os “pimentas” (Luccianna Ferreira/Divulgação)

Outra manobra para garantir visibilidade é o cruzeiro que a empresa realiza todos os anos para 2,5 mil convidados. Caito gasta R$ 3, 5 milhões para colocar em um navio todos os públicos que o interessam: especialistas em moda, franqueados, fornecedores, youtubers, parceiros, os vendedores “campeões” da Chilli. Durante quatro dias, a galera participa de exposições, workshops e encerra a noite assistindo a apresentações de artistas como Pabllo Vittar, Alok e do próprio Caito, que não perde a chance de subir ao palco, cantar e tocar guitarra. A festa toda, claro, bomba nas redes sociais e repercute no métier. “São essas estratégias de exposição que fazem a roda girar. Ao abrir canais para mostrar nossa filosofia, nossos números, nossa história a gente atrai o interesse de investidores e de potenciais empreendedores”, diz ele.

TRIBOS_ Caito sempre se coloca na linha de frente desses eventos, como o principal garoto propaganda da marca. É o dono que faz questão de dar as caras, de mostrar uma empresa à sua imagem e semelhança. Durante anos, construiu para si uma narrativa de sucesso. O garoto classe média que foi estudar música nos Estados Unidos, lavou pratos, trabalhou de garçom, tentou a carreira de vocalista em uma banda de rock (Las Ticas Tienen Fuego) e, enfim, teve de se virar vendendo no Brasil os óculos que trazia de Venice Beach. Chegou a montar uma empresa de distribuição, a Blue Velvet, para atender as redes multimarcas, também interessadas nos óculos. Mas duas delas não honraram os compromissos e ele acabou quebrando. O jeito era juntar o estoque restante e ir para o Mercado Mundo Mix, uma feira pop em São Paulo, para tentar minimizar o prejuízo. Ocorrera-lhe a ideia de criar uma marca, inspirada em sua especiaria preferida, a pimenta. O resto da história já é conhecido.

Era natural, portanto, que “emprestasse” à Chilli Beans essa narrativa, eficaz não apenas para o público externo, mas também — e principalmente — para o interno. Na sede da empresa, em Alphaville, é comum ver “Caitos” nos corredores. Funcionários que se vestem como ele (uma moda rock´n´roll chique ou “rock nutella”, como brinca um amigo do empresário), falam como ele, emulam o chefe. E até tatuam o logotipo da empresa no corpo. “O que posso dizer do Caito? Ele é intenso, vencedor, inspirador. A imagem que passa é a de um líder e não de chefe”, diz Kinberly Rohr, vendedora de uma das principais franquias da marca em São Paulo.

Essa visão messiânica que os funcionários têm do chefe é cuidadosamente trabalhada (e até estimulada) pela direção da empresa. Há um processo bem orquestrado para garantir que o dono da Chilli esteja sempre muito próximo das “pimentas”, como são conhecidos os funcionários. Isso se dá por meio de diversos eventos de confraternização e premiação, em que Caito é sempre a estrela da festa e das visitas frequentes que faz às lojas da rede — visitas chamadas de turnês e que, invariavelmente, se transformam em um acontecimento. Ai do franqueado que não preparar o cenário para a chegada do presidente pop-star. “Ele quer saber de nossa vida, de nossos objetivos, do que a gente vê de errado na Chilli. E também aproveita para nos cobrar cada vez mais desempenho. É parte do jogo, né?”, diz uma “pimenta”.

É parte do jogo também, segundo Caito, reconhecer esforços. Em 2012, quando o fundo Gávea comprou 29,8% da Chilli Beans, ele diz que fez 32 cheques gordos (não revela os valores), colocou cada um numa caixinha, junto com um bilhete de agradecimento e premiou os funcionários mais dedicados e os campeões de venda. “Eu premio porque gosto de reconhecer, porque é um incentivo e porque eles e a Chilli só têm a ganhar se a performance se mantiver alta. Simples assim”. Simples e certeiro. Medidas como essa, embaladas num caprichado storytelling, chegam aos ouvidos das pimentas e têm um efeito motivacional poderoso. O empresário conta com isso.

SANTO GRAU_ “Caito Maia é bem sucedido, sem dúvida. Mas sinceramente, e com todo respeito, eu o vejo como um cara que ganhou na loteria. Teve sorte em cair nas graças do consumidor, fazendo o básico. Espremendo bem, qual o grande ensinamento dele?”, pergunta um professor de MBA de uma conceituada faculdade. Para um ex-diretor da Chilli Beans, a declaração é injusta. “Caito Maia pode não ser um expert em administração, mas é um cara esperto, muito bom de marketing e de formação de equipe, que soube se cercar de bons profissionais e de bons conselheiros”. Ronaldo Pereira, presidente das Óticas Carol, vai além: “O cara monta uma empresa desse tamanho, atrai um fundo como o Gávea, vira caso de Harvard e ainda há quem veja isso como sorte. Só pode ser o nosso complexo de vira-latas”. Segundo ele, o conceito de troca semanal de coleções, criado por Caito, provocou uma mudança formidável no mercado. “Ele provou que os óculos podem, sim, ser moda e de que essa moda pode ser vendida a um preço justo.”

Cercar-se de bons profissionais e bons conselheiros, alguns deles indicados pelo Gávea, foi realmente fundamental para que Caito pudesse virar a chave, substituindo a gestão “do coração” por uma administração menos passional, mais voltada aos resultados. Foi essa mesma turma que também o convenceu, recentemente, a mexer em time que está ganhando. Primeiro com uma linha de relógios, depois com os óculos de grau. A estratégia, sobretudo a de trabalhar com os óculos corretivos dando-lhes um ar fashion, surtiu efeito — é com eles que a Chilli pretende chegar ao primeiro bilhão. O empresário mostra em sua tela os números mais recentes da Euromonitor, referentes a 2016: liderança de mercado da Chilli Beans, com 22,7% de participação, contra 20,7% da segunda colocada, a RayBan. Os dados de 2017 saem no segundo semestre deste ano. Por e-mail, a Luxxotica, fabricante dos óculos RayBan, contestou as informações. E afirmou que “não podia divulgar seus dados”.

Loja da Chilli: diversificação com relógios e óculos de grau (Luccianna Ferreira/Divulgação)

SANTÍSSIMA TRINDADE_ Números e polêmicas à parte, o fato é que a trajetória da Chilli Beans vem chamando a atenção de estudiosos do mundo dos negócios. No começo deste mês Caito esteve em Harvard, participando de uma palestra que reuniu 60 alunos e professores de MBA. É a terceira vez que a Chilli Beans vira estudo de caso da universidade. “É muito louco saber que o que eu fiz serviu de inspiração para uma turma como essa. Muito louco…”

E a sua inspiração, Caíto, de onde vem? Ele pensa um pouco e saca mais uma pérola de seu repertório: “David Lynch, David Bowie e O Boticário”. Vendo a trajetória do empresário dá até para entender a referência a Bowie e Lynch (o nome Blue Velvet, sucesso de Lynch no cinema, na primeira empresa de Caíto não foi ao acaso). Mas… e o Boticário? “É o seguinte: quando perguntam sobre inspiração para um empresário brasileiro, os nomes mais lembrados geralmente são os de Steve Jobs, Bill Gates, a turma do Vale do Silicio, etc. Pô, temos um puta case de sucesso aqui no Brasil, uma botica que virou a maior franquia do mundo, e vou ficar só batendo palma pra gringo? Ah, faz favor”. É Caíto, sem tirar nem pôr.

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Darcio Oliveira
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Written by Darcio Oliveira

Jornalista, vocalista e volante do time Grama

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